Sobre o amor: conto 9 - A nobreza de uma mãe. Por Jeiane Costa*

13/05/2018 19:33
noticia Sobre o amor: conto 9 - A nobreza de uma mãe. Por Jeiane Costa*
noticia Sobre o amor: conto 9 - A nobreza de uma mãe. Por Jeiane Costa*

Billin, 12 de Maio de 1835.                                                  

 

Amada, querida Maria Luísa,

 

É bem sabido que toda dama da corte deseja ser uma verdadeira nobre. Lutar e honrar o nome que lhe remete poder e tradição familiar. Sentir a adrenalina de descobrir novos caminhos, mesmo que isso signifique ser uma longa jornada que custe sua própria vida pela glória. Preencher a história de um povo e jamais ser esquecida, mesmo após certas tomadas de decisões que podem torna-la eternamente odiada ou amada por uma nação.

A mim foi incumbido essa missão desde que eu estava prestes a nascer. O título de arquiduquesa somada às tradições de nosso antigo reino, que era regido graças à ideia de nosso respeitoso e mais antigo ancestral, D. Afonso VI - “Bella gerant alii, Protesilau amet! Aliis nam quae Marte, dat tibi diva Venus” (Deixam que os outros façam guerra, Protesilaus ama! O que Marte dá aos demais, para ti será um presente de Vênus) – que eram respeitadas e levadas muito a sério pela corte.

Graças a esse lema, durante o processo de expansão territorial de nossos domínios, dor, sofrimento e derramamento de sangue meio as lutas foram evitadas, graças a esse pensamento que conseguiram firmar a tempo importantes acordos matrimoniais.

Durante séculos nosso império manteve-se firme. Príncipes e princesas nasceram e foram educados com o que melhor existia para que houvesse os maiores reinados e assim mantivesse a proteção e honra do nosso glorioso nome. Desde cedo, as novas gerações eram inspiradas a desejarem manter qualidade de seus futuros tronos e desenvolviam a compaixão pela sua gente.

Aprendemos que ser considerado nobre era uma pesada incumbência, principalmente por se tratar de governar pessoas e ter sabedoria para reinar o mais longo período possível em um novo país, como aconteceu com as minhas irmãs mais velhas Maria Tereza e Maria Josefina com a missão de solidificar nossos reinos ao se casarem com os príncipes D. Filipi III e o arquiduque D. Leopoldo. Presenciei em seus semblantes a tristeza em deixar nossa terra natal ao mesmo tempo em que mantinha a cabeça erguida, transparecendo em seus olhos o profundo orgulho e a honra de partir para representar a nossa pátria em lugares distantes e ainda desconhecidos por mim.

 Como uma princesa, minha vida era regida por regras claras e cronograma preestabelecido: aprendi a ler e escrever, diversos idiomas como alemão, francês e italiano. Aprendi etiqueta, dança, canto, desenho, pintura, história e geografia, aritmética e música; latim e trabalhos manuais. Nesse período, desenvolvi inclinações particulares para música: de todos os instrumentos, o piano era o meu favorito.

Sabia que o mesmo destino empregado às minhas irmãs logo chegaria até mim assim que ouvi rumores de que um terrível imperador reergueu-se das cinzas com o fim de uma sangrenta Revolução e que agora estava varrendo reinados próximos aos nossos limites.

Horrendas notícias transitavam entre os povos que faziam parte do Tratado Protesilaus e os mais exaltados referiam-se a ele como “Besta apocalíptica”. Minha querida mãe, grávida do meu irmão mais novo, adoeceu temerosa pela nossa família quando recebeu a notícia de que D. Arthur D’Ford – primo do esposo de minha irmã Maria Tereza - havia sido vorazmente assassinado e teve toda sua corte executada por não aceitar as imposições políticas e dominantes desse imperador.

 Após séculos de paz entre o continente, tudo estava a prestes a ruir quando no outono seguinte ouviu-se tristes notícias de que o conde Wallis havia sido enganado quando ofereceu sua única filha Ana Carolina Líz na tentativa de conseguir firmar um acordo de paz através da união matrimonial, desistindo do compromisso da filha com o nobre Luís Henrique II, ao entregar a mão de sua filha ao imperador.

Este por sua vez, a desonrou e em seguida a obrigou a se casar com um fidalgo de sua corte. Desolada, Ana jogou-se de um penhasco ao mesmo tempo em que uma carta escrita por ela destinada ao seu pai chegava até ele através de um mensageiro real, pedindo perdão por ter fracassado em sua missão.

Triste pela princesa que havia perdido sua vida por tamanha perversidade de um tirano, escrevi em meu diário que faria com que aquela maldita besta pagasse por todos os seus crimes.

Diante de tamanha ameaça política, a fim de lutar pela honra de sua família e de seu povo, surgiram os cavaleiros da ordem dos países que faziam parte do Tratado Protesilaus. Uniram-se para combater o Anticristo e todas as suas injustiças cometidas contra inocentes.

Uma crise jamais vista em todo continente assolou nosso povo. Minha mãe recebeu a ordem de meu pai para que fugíssemos para a Abastia de San’Antônio. Lá poderíamos ficar a salvos das garras da maldita besta enquanto ele lutava.

Partimos imediatamente aguardando novas ordens reais. Em sinal de alerta, o conselho foi reunido pelos principais representantes. Convencidos de que a melhor maneira para combaterem o Imperador seria unificando os reinos, um novo documento foi redigido como estratégia política, e assim, o privilegium regnaturi foi criado.

O nosso reinado foi dividido em dois principais reinos: o Reino do Norte, regido pelo General Wenzel, líder da ordem dos cavaleiros e o Reino do Sul, regido por meu pai. O privilegium regnaturi garantia aos demais nobres a autenticação de seus títulos originas e a importante participação deles politicamente.  

A guerra entre o Imperador e os Reinos do Norte e Sul ficou conhecida como A Lutas dos Nobres e durou longos treze anos. Poucos acreditavam nos cavaleiros da ordem, mas com o passar dos anos, eles conseguiram cada vez mais aliados políticos e novos acordos foram firmados. O meu pai, por sua vez, conseguiu solidificar esse novo governo e avançar juntamente com o conselho novas estratégicas políticas.

Alimentar um exército não era uma tarefa fácil. Precisa-se de além de recursos, aliados. Devido as grandes injustiças cometidas, as forças do Imperador estavam diminuindo. Para que a Luta dos Nobres fosse um sucesso e o Imperador fosse riscado do mapa, faltava apenas que um nobre se juntasse ao grupo.

Era o inverno de 1801. Mamãe estava enferma. A Abastia não possuía o mesmo conforto que o palácio e a frieza mexiam com os seus pulmões. Saudosa do meu pai, e desejando o fim dessa guerra, resolvi descumprir a ordem real que recebera e voltei para casa. Eu sabia que estaria em apuros se fosse descoberta, mas precisava fazer alguma coisa.

Não imaginava que o destino estava a meu favor. Graças a minha teimosia, eu tive a chance de resgatar a honra e as tradições de minha pátria, agora, quase perdidas. Tive a oportunidade de cumprir a minha promessa de destruir o nosso maior inimigo.

Levei comigo minha corte e a bravura sempre escondida no peito ao entrar no palácio após tanto tempo.  Fui informada que meu pai estava recebendo uma importante visita e que não poderia ser interrompido, pois esse encontro resultaria no destino do nosso reino.

Enquanto ele estava ocupado, resolvi preparar-lhe um banquete. Afinal de contas, eu voltava para o palácio real sem uma ordem sua e precisava de alguma forma lembrar-lhe de que era necessário quebrar esse protocolo por se tratar de um assunto familiar -  ao mesmo tempo que ele possuía o titulo de rei, ele era o meu pai – antes de ser acusada de traição real e ser executada.

Com a ajuda da minha corte, preparei o melhor jantar com todos os requintes aprendidos durantes todos os meus anos no palácio para o meu pai e o seu convidado. Era a sua ultima noite no palácio conosco o que significava que suas decisões estavam prestes a ser tomadas.

O momento finalmente chegou. Meu pai se apresentou ao recinto juntamente com o concelho e o convidado. Senti o seu olhar cortante sobre mim que de certa maneira acabou resfriando minhas mãos. Minha boca estava seca e estou convicta de que meu coração subiu à boca naquele momento imaginando qual seria minha punição.

Fechei os olhos antes de saudá-los. Pronto. O espetáculo estava prestes a começar. Apesar dos olhos duros do rei sobre mim, ele não comentou nada que pudesse interferir no bem estar dos demais convidados. Felizmente o jantar saiu muito bem, e após esse momento, cantei para o deleite de todos que estavam ali. Notei que o convidado era estrangeiro, e apesar das diferenças culturais, ele acabou aceitando o convite de ficar conosco por mais algumas noites.

Recebi recomendações reais para preparar o entretenimento do seu convidado durante os próximos dias. Sem perceber, a missão pelo qual eu nasci estava começando com êxito. No ultimo dia, bastante satisfeito, aquele nobre homem, juntamente com toda sua comitiva se despediu do palácio.  

Meu pai chamou-me a sua sala. Ele ralhou duramente comigo por minha irresponsabilidade e desobediência por interferir naquela reunião tão importante. Todavia, para minha surpresa, ele me informara que graças a minha atitude, eu conseguira garantir a derrota daquele que trazia a desgraça do nosso reino. Eu finalmente acabara de cumprir o meu papel.

Algumas semanas se passaram e o tratado entre o Reino do Norte e o Reino de Brézil foi acordado. O inverno se findou e com todos os povos reunidos contra o inimigo, a luta foi encerrada com a perda literal da cabeça do imperador.

Com o final da guerra declarada, sentíamos o outono chegando, trazendo consigo a alegria e renovando a esperança. Os reinos decidiram manter a ordem, mamãe voltou para casa juntamente com o meu irmão mais novo, o píncipe Miguel. Eu me preparava para partir.

Assim como minhas irmãs Maria Tereza e Maria Josefina se casaram, um ano depois eu cruzei os mares em direção à Nova Terra. Lá eu conheci meu futuro esposo, o Príncipe Edmundo por quem inesperadamente eu profundamente amei.

Mas eu confesso caríssima Maria Luíza, que de todos os desafios que a mim foi incumbido desde antes o meu nascimento, o mais nobre de todos foi o de ser mãe.

Desde o primeiro momento, quando descobrir esperar o meu primeiro filho, eu mudei. Foi a maior e mais longa jornada da minha vida.

Eu aprendi a esperar – ele demorou nove meses para que eu pudesse finalmente conhece-lo; aprendi a chorar – quando eu vi o seu rosto pela primeira vez; eu aprendi a proteger e cuidar de algo tão precioso que nem toda a riqueza do mundo seria capaz de substitui-lo; aprendi a ensinar e a educar aquela criatura que crescia dia após dia até se tornar o belo rapaz que vossamercê conhece.

Também aprendi a repreender, sempre que necessário. Aprendi que mesmo depois de adulto, ele continuaria sendo o meu bebê. Apendi a ama-lo incondicionalmente e desejo sinceramente que vossamercê possa fazer o mesmo agora que se tornarão apenas um.

Desejo que durante o vosso casamento vossamercês sejam muito felizes. Amem-se e mesmo diante das dificuldades, confie um no outro. Sejam prudentes. Eu, como mãe e sogra, estarei sempre aqui para ajuda-los no que for preciso.

 

Saudações,

Imperatriz Isadora Catarina Franco.

 

 

Se você gostou dessa postagem, deixe seu comentário abaixo e compartilhe com seus amigos. Até a proxima!

Abraço,

 

Jeiane Costa.

jeianecosta.novel@outlook.com

www.meioaspalavras.blogspot.com.br

página Meio às palavras no facebook

 

 

*Jeiane Costa: Brasileira, nascida em 28 de março de 1991, descobriu o amor às palavras ainda criança. Desde adolescente escrevia textos com pequenas narrativas apenas para diversão da família e amigos. Paralelo a isso, sempre buscou se expressar através da arte com desenhos que retratassem o ser humano e o meio no qual está inserido. Sempre almejou tornar-se romancista. Atualmente, colabora com o Portal Olhar Dinâmico através do projeto “Sobre o amor” onde apresenta contos e ilustrações que tratam à temática. Sonha em alcançar leitores adultos que ainda possuem no coração o romance juvenil.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS UOL